Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado - CORREIO CONTINENTAL

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Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado


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Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado
Janeiro 30, 2024

Maioria das vĂ­timas era jovem, negra e pobre, revela dossiĂŞ

Porto Velho, RO - Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos.

Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado nesta segunda-feira (29) no Ministério dos Direitos Humanos, como parte da programação dos 20 anos do Dia da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro..

Em 2023, a média foi de 12 assassinatos de trans por mês, com aumento de um caso por mês, em relação ao ano anterior. De acordo com o levantamento, dos 145 homicídios ocorridos no ano passado, cinco foram cometidos contra pessoas trans defensoras de direitos humanos.

No ano passado, tambĂ©m foram registradas pelo menos 69 tentativas de homicĂ­dio – 66 contra travestis e mulheres trans, alĂ©m de trĂŞs homens trans/pessoas transmasculinas (aqueles que, ao nascer, foram designadas como sendo do sexo feminino, mas se identificam com o gĂŞnero masculino).

Segundo a Antra, a publicação do dossiê tem o objetivo de contribuir para a erradicação da transfobia, da travestifobia, do transfeminicídio e de outras violências diretas e indiretas contra a população trans no país. A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que as trocas de informações pretendem assegurar o direito à vida de pessoas trans.

“O dossiĂŞ lança luz sobre o problema sistemático que acontece no Brasil, e a gente precisa assumir o compromisso para garantir que a população trans pare de ser assassinada, temos esse desafio”, diz Bruna, que Ă© responsável pela coordenação e análise de dados para produção do dossiĂŞ.



A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, destaca aumento de crimes contra pessoas trans em 2023 - José Cruz/Arquivo/Agência Brasil
Em entrevista Ă  AgĂŞncia Brasil e Ă  Rádio Nacional, Bruna Benevides questionou o por quĂŞ de, mesmo com a redução de 4,09% de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (40.464 casos, em 2023, no Brasil), os atos violentos contra pessoas trans estarem na contramĂŁo e crescerem no Ăşltimo ano. “Chama muito a nossa atenção pelo fato de que os homicĂ­dios diminuĂ­ram no contexto geral na sociedade brasileira, em 2023. EntĂŁo, isso acende um alerta de que a comunidade trans continua sendo assassinada.”

O dossiê da Antra menciona também o monitoramento internacional feito pelo Trans Murder Monitoring (TMM), que analisa relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero, em todo o planeta, desde 2008. O documento assinala o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 15º ano consecutivo.

Na divulgação mais recente do TMM, em novembro de 2023, pelo Dia Internacional da Memória Transgênero, foram contabilizados mundialmente 321 assassinatos, registrados entre outubro de 2022 e setembro de 2023. Pelo menos 100 deles foram no Brasil (31% do total).

Localidade dos assassinatos

O dossiê informa que, no ano passado, São Paulo foi o estado em que mais ocorreram assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, o que representa aumento de 73%, em relação a 2022. No Rio de Janeiro, o número de assassinatos dobrou de 8, em 2022, para 16, em 2023 e saiu da quinta posição para a segunda no ranking de homicídios contra este grupo.

Os estados do Ceará, com 12 casos, do Paraná, com 12, e Minas Gerais, com 11, ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posições. A Antra não encontrou casos de assassinatos, em 2023, nos estados do Acre, de Roraima, Santa Catarina, Sergipe e do Tocantins, mas pode haver subnotificação.

A maior concentração de assassinatos foi observada na Região Sudeste (37% dos casos); seguida pelo Nordeste (36%); Sul (10% dos assassinatos); Norte (9%); e a região Centro-Oeste (7%).

Os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos (60%), principalmente, em via pública, em ruas desertas. Dos 40% restantes, em locais privados, a residência da vítima aparece com o local onde mais houve casos, além de motéis, unidades de saúde e ainda residências de terceiros.

A maior parte dos assassinatos ocorreu no perĂ­odo noturno, com 62% dos casos brasileiros.

Em 2023, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil também identificou 5 assassinatos de travestis/mulheres transexuais brasileiras no exterior, sendo 2, na Itália; 2, na Espanha; e 1, no Paraguai.

Perfil

Dentre as 145 pessoas trans assassinadas no ano passado, 34 casos não tinham informações sobre a idade das vítimas. Se considerados apenas os 111 casos com identificação da idade, 90 das vítimas tinham entre 13 e 39 anos, o que representa 81% do total.

A idade mĂ©dia das vĂ­timas foi de 30,4 anos. A mais jovem trans assassinada no ano passado foi uma adolescente de 13 anos. “Quando vemos determinadas bandeiras falando de proteção das infâncias, sempre questionamos quais sĂŁo as infâncias que estĂŁo sendo protegidas no paĂ­s?”, reflete Bruna.

Sobre o contexto social em que viviam as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente. O estudo chama a atenção para o fato de 57% dos assassinados serem de travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo, consideradas mais expostas à violência direta, mais estigmatizadas e marginalizadas.

“Buscamos, nĂŁo apenas proporcionar condições seguras para o exercĂ­cio dessa atividade, mas tambĂ©m criar oportunidades para aquelas que desejam buscar outras formas de emprego ou geração de renda”, propõe o dossiĂŞ.

No último ano, dentre os casos de homicídios em que foi possível identificar a raça da vítima, a Antra observou que, pelo menos, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas).

O estudo indica também que uma pessoa trans, que não fez modificações corporais e não expressa sua inconformidade de gênero claramente, não está exposta às mesmas violências que as demais,"porque não confronta a sociedade cisgênero" (quando a identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento).

“É possĂ­vel afirmar que tanto a raça quanto a identidade de gĂŞnero sĂŁo fatores de risco de morte para a população trans negra. Sobretudo considerando que sĂŁo as pessoas trans negras as que menos acessam as tecnologias de gĂŞnero, seja por meio da transição social, fĂ­sica, hormonal ou cirĂşrgica e, por consequĂŞncia, acabam sendo muito mais facilmente sendo lidas a partir do olhar da cisgeneridade e da patrulha de gĂŞnero, como alguĂ©m que nĂŁo pertenceria ao gĂŞnero que expressa”, diz o estudo.

Quanto à identidade de gênero, aumentou 4,6% o número de travestis e mulheres trans assassinadas em 2023, na comparação com 2022. Das 145 vítimas de assassinatos localizadas e consideradas na pesquisa, 136 eram travestis/mulheres trans. Já homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos: 9 casos.

Perfil dos suspeitos

A maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima, aponta o Dossiê de 2023.

Entre os casos em que os suspeitos foram efetivamente reconhecidos, 11 tinham algum vínculo afetivo com a vítima, como namorado, ex ou marido. Outros 12 casos ocorreram em contextos de programas sexuais contratados pelos suspeitos. Em diversos casos, a pesquisa identificou a narrativa em que os suspeitos tentaram transferir a responsabilidade ou justificar o assassinato, sob alegação de legítima defesa.

ViolĂŞncia e crueldades

O dossiê divulga também dados sobre os meios usados para cometer o assassinato, como tiro, facada, espancamento, estrangulamento, apedrejamento e outros.

Os casos ocorrem em sua maioria (54%) com uso excessivo de violĂŞncia e requintes de crueldade.

Dos 122 casos com informações, 56 (46%) foram cometidos por armas de fogo; 29 (24%) por arma branca; 12 (10%) por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 25 (20%) de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados. Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou a queima-roupa ou de alto número de perfurações por objeto cortante.

AntigĂŞnero

O dossiĂŞ conclui que a permanĂŞncia das violĂŞncias contra a comunidade trans faz parte de um projeto polĂ­tico conservador, que, de acordo com a Antra, tornou-se preocupante para as pautas de interesse desse grupo no Congresso Nacional.

Bruna Benevides rebate o que considera ser um ambiente social e polĂ­tico hostil que tem como alvo as pessoas trans, devido Ă  existĂŞncia de uma pauta antigĂŞnero. “Em 2023, foram mais de 300 projetos de lei que pretendiam institucionalizar a transfobia, no âmbito da Câmara Legislativa Federal.

Temos preocupação porque os acenos que esses representantes, que esses polĂ­ticos e figuras pĂşblicas fazem, Ă© que as nossas vidas nĂŁo importam, o aceno que fala para a juventude Ă© que nĂŁo há um futuro para elas existirem”, lamenta Bruna.

Subnotificação e impunidade

A Antra aponta ainda a ausência de dados e a dificuldade de acesso a registros de violência LGBTfóbica, somada à subnotificação de casos deste tipo, que prejudica a realização de pesquisas.

Segundo a associação, não existem referências demográficas sobre a população trans brasileira que possibilitem o cálculo da proporção por habitantes, dos casos de violência contra esse público no Brasil. O que se torna um grande desafio na produção de estatísticas, ressalta Bruna.

“O aumento [do nĂşmero de assassinatos] simboliza tambĂ©m um chamado urgente para que os ĂłrgĂŁos de segurança pĂşblica em todos os âmbitos: federal, municipal e estadual, se comprometam a ter dados, porque este Ă© o primeiro ponto. O Estado brasileiro nĂŁo produz dados sobre violĂŞncia, sobretudo, o assassinato contra a comunidade trans. E a sociedade civil tem que produzi-los”, acrescenta.

A associação destaca ainda a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro; a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia; a constante ausência, precariedade e fragilidade de dados usada para ocultar ou simular uma diminuição dos casos, na realidade, contribuem para impunidade, que favorece novos assassinatos e gera insegurança na população trans.

“Ficou como um resquĂ­cio da ditadura [militar] em relação Ă  comunidade trans. Algumas narrativas nos colocam como inimigas. EntĂŁo, as pessoas trans nĂŁo vĂŁo confiar na segurança pĂşblica, que Ă© uma potencial violadora de seus direitos, de sua prĂłpria segurança. EntĂŁo, alĂ©m de sofrer toda essa violĂŞncia, as pessoas nĂŁo se sentem seguras”, constata Bruna Benevides.

Evento

O dossiê foi apresentado nesta segunda-feira (29) em cerimônia em homenagem aos 20 anos da Visibilidade Trans, promovida pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). A atividade aconteceu no âmbito da campanha do MDHC alusiva aos 20 anos da visibilidade trans.

“Esse dossiĂŞ Ă© um pedido de socorro para que nĂłs possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos contra a nossa comunidade”, disse a secretária de articulação polĂ­tica da Antra, Bruna Benevides.

Durante o evento, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, disse que a meta do governo é entregar uma política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. "Ainda é a semente do que a gente quer, que essa política continue promovendo acesso, dignidade, respeito e autonomia para a nossa população que é tão vulnerabilizada e tão atacada".

Para o ministro Silvio Almeida, as questões relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ se desdobram em questões de interesse nacional. “Se falarmos em polĂ­ticas de saĂşde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança pĂşblica sem falar das pessoas trans, nĂŁo estamos falando de nenhuma dessas polĂ­ticas da maneira que elas devem ser faladas. NĂŁo existirá cidadania, democracia e desenvolvimento econĂ´mico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ nĂŁo poderem exercer seus direitos", disse.

O MDHC também entregou o Troféu Fernanda Benvenutty para iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Fonte: AG/BR
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